"Estranho vir aqui fazer mais um
monólogo sensacionalista sobre a minha vida. Isso sempre foi, como eu adorava
dizer, “minha válvula de escape”. Já faz um certo tempo que tudo perdeu o
sentido que tinha, assim como muitas outras coisas...
As últimas experiências pelo qual
passei foram no mínimo atordoantes demais para eu ser a mesma. Mas qual seria
de fato o conceito de ser você mesmo, quando nós somos apenas uma combinação de
tragédias e pequenos momentos de leveza? Vivemos em constante mutação em
decorrência do que nos acontece. Quase uma lagarta em seu casulo, a diferença é
que não vamos voar ao final da metamorfose e possivelmente não teremos uma
chuva de cores em nós. Acho mesmo que ao final de tudo, estamos em preto e
branco.
Engraçado como as pessoas sempre
tentam te fazer acreditar que as coisas vão ficar bem e que vão melhorar. Deixo
uma pergunta pra quem está dedicando um minuto de sua vida para ler isso: O que
é melhorar? Uma pessoa que nunca passou por nenhuma turbulência, seria apenas
uma criança mimada. Seria uma fabrica de traumas alheios. Então por que ficar
bem para a maioria é não sofrer, se é na dor que nos tornamos pessoas melhores?
De certo aprendi que tudo que
posso fazer é transformar o que já vivi em combustível para levar a frente uma
locomotiva de pensamentos e ações que tornem a carga de quem está próximo a mim
suavemente menos pesada. E acredite, isso transforma todos os meus problemas em
detalhes escritos em mim, em desenhos na rocha que me tornei.
Para quem nunca enxergou,
qualquer filme na sessão da tarde é digno de Oscar. Para quem nunca ouviu,
qualquer funk é uma obra de Beethoven. Para quem não andava, correr para pegar
o ônibus de manhã é o trajeto mais gratificante do dia. Para quem não tem o que
comer, jiló se torna um banquete. Mas para quem já amou, para quem já viveu o
bastante para ver o lado ruim do ser humano, é preciso mais que belas palavras
e sorrisos largos em rostos bonitos. Talvez seja preciso uma reviravolta, um
terremoto de emoções novas, um vendaval de atitudes, uma chuva de pequenas
coisas cheia de importância... As vezes queria só uma garoa de voz calma e
covinhas nas bochechas. E que ela seja daquelas que só vai te molhar mesmo se
você ficar muito tempo exposto, por que ai a escolha é sua. Você pode andar um
passo de cada vez, sem se preocupar em como sua roupa ou seu cabelo vão ficar
molhados, ou pode simplesmente correr e se abrigar na primeira marquise que
encontrar e esperar a garoa acabar. Eu acho que escolhi a primeira opção.
E creio que não haja espaços para
arrependimentos e lamentos. Auto piedade é tão deprimente quanto um pote de
sorvete com feijão no congelador. Não atingi a plenitude ou a maturidade e nem
nada assim, acho que só encontrei o ponto onde algumas coisas começam a fazer
algum sentido. Duas gotas de sacrifício adoçam qualquer café amargo e qualquer
vida desregrada.
Ahhhhhh talvez seja válido dizer
que não importa quantas pessoas te digam que você precisa largar os vícios, que
precisa parar de fazer besteiras ou mudar seu estilo de vida. Seu deserto
interior não vai terminar com a tempestade que todos irão fazer ao seu redor. Lembra
quando eu falei da garoa? Pois bem, uma terra seca só irá ficar encharcada,
voltar a ser fértil e dar frutos quando essa garoa ir molhando aos poucos sua superfície,
até atingir o ponto mais profundo."
Aline Alves