"Hoje é um daqueles dias que
amanhecem nublados e frios.
Venta tanto que até me atrevo a
dizer que todas essas lembranças que me angustiam foram trazidas pelo vento. É
sempre bom ter quem culpar nesses casos.
Existe uma dor que não vai se
curar tão cedo, mesmo após um coquetel de remédios.
Me tornei tão distante do que
costumava ser, que apenas aceitei e continuo me mantendo distante.
‘O pior cego é o que não quer ver’...
Na verdade não querer ver é uma tática de quem não aguenta mais se martirizar.
Não ver, às vezes significa não sentir ou camuflar tudo.
Não sei muito bem o que seria
certo, sei que ‘You’ não tocou mais e provavelmente não tocará.
Outro dia por acaso ouvi tocar ‘So
Happy Together’ em algum lugar. Me lembrei de uma tarde, um filme, sorvete e
muitas risadas. Pela primeira vez fui capaz de lembrar sem o pesar dos erros
dos últimos tempos, foi uma lembrança terna e gostosa. Já estava sentindo falta
disso. E de tudo que a música disse uma parte não saiu da minha cabeça: ‘I cant see me loving nobody but you
for all my life. When you are with me baby the skies will be
blue. For all my life. Me and you. And you and me. No matter how they toss the
dice. It had to be. The only one for me is you and you for me’.
Lembrei de uma promessa feita em frente ao bar: ‘Fica
tranquila, eu vou te tirar daqui. Você é minha!’. E eu me apegava tanto a ela,
mas percebi que algumas promessas devem ser feitas para amenizar dores momentâneas
e não para serem cumpridas como uma verdade única e irrefutável.
Eu seria uma mentirosa
desenfreada se quisesse esconder de mim mesma que essa saudade está me
corroendo, mas pareço forte e integra diante dos outros por me mostrar indiferente.
Mas a que ponto o que os meus ou seus amigos pensam pode sobrepor o que se
sente? E eu sinto, embora saiba que isso venha só de mim.
Antes de adoecer estava
conversando com um senhor desses sem muito estudo, mas que tem uma experiência
de vida que acho que eu não vou ter nem daqui a 50 anos. Eu estava distante e
mal humorada no ônibus indo trabalhar e ele apareceu do nada e se sentou ao meu
lado. Nunca havia o visto e creio que não verei de novo, mas acho que isso não
importa. Sem muita vergonha ou auto repúdio ele começou a falar sem dar tempo
para que eu pudesse discordar ou dizer o que estava sentindo. Não lembro ao
certo as palavras que ele usou, mas sei que foi mais ou menos assim:
‘Tenho 35 anos de casado e 4
filhos. Nunca desejei ter ninguém além da minha esposa e sei que depois que um
de nós dois morrer ele estará junto a Deus esperando para nos encontrarmos de
novo. Sabe, já brigamos muitas vezes. Brigas que fariam os casais de hoje se
odiarem. Mas somos de uma época onde as pessoas levavam os sentimentos mais a
sério que as coisas e lutavam até o fim por aquilo que as fazia bem. Nunca me
importei de ficar sem comer para alimentar um filho meu ou de dividir um pedaço
de pão com minha esposa e isso fazia a gente se unir cada vez mais. Acho que é
bom querer mais, porém quando se espera menos ficamos mais felizes e satisfeitos
com o que conquistamos, mesmo que seja algo pequeno. O problema dessa juventude
é que ninguém mais sabe o que quer de fato e ninguém entende que o que
realmente importa são as pessoas. Todos querem tudo e ao mesmo tempo e se
sentem frustrados quando conseguem apenas aquilo que precisam de fato. Veja
nesse ônibus quanta gente mal humorada e rancorosa porque está indo
trabalhar... Minha filha, eu vejo que você está distante e nem sei o que se
passa, mas pense que talvez você tenha o que precisa para o momento e só está
se sentindo assim por querer algo a mais. Se algo está errado, conserte. Vocês
jovens tem essa péssima mania de querer tudo novo e descartar o que precisa de
reparos, dessa forma vocês acabam perdendo a oportunidade de criar laços
duradouros e vivem de momentos e coisas vãs. Apenas se apegue a quem você ama e
não ao que você quer. Nada no mundo pode ser maior do que o que se sente e faz
por quem se ama.’
E depois do que ele disse, passei
a pensar mais. Talvez por isso essa manha nublada de sábado tenha trago tantas
coisas."
Aline Alves